quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Efeitos colaterais

Quando me sentei para tomar o pequeno-almoço, dirigi, como o faço sempre, o olhar para a rua. Os olhos procuram de imediato duas colunas de fumo que, numa aldeia ao longe, se erguem aos céus ou, caso esteja vento, correm paralelas à terra. Imagino que são dois fornos onde se há-de cozer pão e ali haverá gente preocupada com a temperatura, se o pão não sai queimado, se já estará na hora para o retirar do forno e o pôr à venda. Imagino, mas não sei o que são, não sei de onde vem aquele fumo. Imagino, e isso é tudo. Hoje, porém, senti uma imediata irritação. Eu queria procurar as colunas de fumo, mas os olhos pareciam cravados num enorme letreiro em forma hambúrguer. Desviava-os e eles logo voltavam para lá. Fiquei a calcular quantos anos o bosque da escola ao lado levaria a cobrir aquela visão. Os cedros estão a crescer a um ritmo promissor, já os pinheiros parecem mais lentos. Ontem a minha neta mais nova fez dez anos. Não a vi, a não ser via WhatsApp. É a primeira vez que não estou presencialmente nos seus anos. Não tarda e será o dia de aniversário da minha filha e também ela estará longe, como se todos aqueles que me são próximos se tivessem exilado num país inacessível e estivessem proibidos de entrar na pátria. Terá de ser assim, eu sei, mas custa-me saber do meu neto, agora a meia dúzia de quilómetros de distância, e não poder brincar com ele, que já começou a falar, cheio daquela graça que só existe quando se tem dois anos. Não sei o que me deu para tamanha patetice. Não há contabilista que adoce as contas da pandemia.

2 comentários:

  1. Não é patetice nenhuma, HV, não é patetice nenhuma, é mas é uma grande tristeza.

    Boa noite e, se me permite, hoje envio-lhe um abraço.
    🌿🌼
    Maria

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  2. Muito obrigado pelo abraço. Retribuo. Os tempos não estão fáceis, parece uma prova de resistência.

    Um resto de bom dia

    HV

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