De manhã, lembrei-me de várias coisas sobre as quais viria aqui escrever. O problema reside na quantidade, pois com o passar das horas esqueci-me de quase todas elas. Sobram-me duas. Talvez toda a gente tenha tido a experiência da estranheza que sinto quando, de repente, se vê uma pessoa, que sempre se viu com máscara, sem ela. Há um desconforto, pois aquele rosto não condiz com a expectativa que se tem dele. O que me surpreendeu há dias foi, porém, outra coisa. Pessoas que se conhecem muito antes da pandemia e que se passaram a ver sempre de máscara, se a tiram acontece a mesma sensação. Aquele rosto, tão bem conhecido, tornou-se incongruente, alguma coisa não bate certo. Uma outra coisa de não menor importância está ligada à solução hidroalcoólica que comprei. Cada vez que a uso, desprende-se dela um odor a aguardente de figo, coisa que em tempos foi um dos bens mais banais que havia por estes sítios, onde não faltavam destilarias, umas mais legais, outras nem por isso e havia histórias de candonga, apreensão de alambiques, como se se estivesse nos Estados Unidos, no tempo da lei seca. São estas coisas que me ocupam o espírito. Na escola aqui ao lado, vejo passar, solitária, uma professora. Vai carregada de máscara e de pasta e leva-se resignada até ao portão por onde se há-de escapulir para entrar num carro. Na avenida, um homem de idade arrasta-se, o passo descompassado, as pernas bambas, o corpo pesado, os anos em cima dos ombros e uma boina basca na cabeça. Talvez a vida seja isto, máscaras que se ajustam ao rosto e o ocupam, álcool a cheirar a aguardente, professoras resignadas levadas pela pasta que carregam e homens de boina basca a passear ao sol. Quando cheguei a casa pensei que iria almoçar ao bar da esquina, comer alguma coisa que me fizesse mal e me soubesse bem, mas o bar está confinado. Um dia destes compro uma boina basca e vou para Bilbau.
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