Talvez hoje seja sexta-feira. Já não tenho a certeza, agora que os dias se tornaram a indiferenciar. Em vez de tornaram tinha escrito tronaram. Uma troca risível faz toda a diferença. Os dias não são reis para ocuparem um trono ou, tão pouco, soam como trovões. Esta incerteza perante o calendário deixa-me perplexo. Os motivos bem os sei, mas não os digo. Os campos de jogos da escola ao lado estão vazios, como se as pessoas tivessem abandonado a cidade e vivêssemos num tempo distópico. Árvores e arbustos, porém, estão vigorosos, mesmo aqueles que se despiram para hibernar, e deles se desprende uma exuberância que não chega ao mais alto dos céus, porque uma densa cortina de nuvens cinzentas a tudo cobre. Tenho de pôr o telemóvel a carregar e de ler os emails que me enviaram. Correspondemo-nos por tudo e por nada e com isso a correspondência perdeu valor. Outrora, trocar cartas era um exercício sério, exigia ponderação, letra adequada aos olhos do leitor, espírito crítico. Se era uma daquelas cartas decisivas, havia o ritual de a escrever múltiplas vezes, deixando pelo chão um rasto de folhas rasgadas. Isto, caso fosse um filme. Na vida real, não faço ideia, pois nunca escrevi cartas decisivas. Imagino-me a escrevê-las, mas não sei o que se possa escrever de decisivo. Lembro-me de na adolescência haver um enorme catálogo disponível de envelopes para envolver os suspiros desses adolescentes ou mesmo de outros menos adolescentes. Nunca usei, talvez não fosse dado à epistolografia ou aos suspiros. Não faço ideia.
Realmente parece-me pouco inclinado para "suspiros":)
ResponderEliminar~CC~
Também me parece que não. Com isto lembrei-me do filme do Bergman, Lágrimas e Suspiros. Talvez o vá rever mais logo.
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