Está consumado o Natal. Hoje é dia de Reis. Vejo-os ao longe, a descerem dos camelos que os trouxeram do Oriente, ajoelham perante o Menino e depositam com cuidado as suas oferendas. Amanhã, o presépio será desmanchado e, com os outros adereços natalícios, confinado numa arrecadação até que se inicie o próximo Advento. O dia nasceu festivo, mas tem-se toldado e agora um véu cinzento esconde o sol. Tenho mil tarefas pela frente. Olho-as com bonomia, pois um olhar menos agradável não as faria desaparecer e haveria de me tornar mais azedo. A isto chama-se aceitar o princípio de realidade, embora esteja convencido de que a própria realidade tem muitas dúvidas em aceitar-se. Não sei por onde começar, talvez por scannerizar um papel que, transubstanciado em pdf, hei-de enviar para um sítio que diz estar à espera dele, para se certificarem de que eu existo e que sou quem sou. Sorrio e digo-me que deve haver alguma fantasia literária em todo este mundo burocrático. Se nem eu tenho a certeza de ser quem sou e, ainda menos, se existo, como pode alguém ficar certo apenas porque lhe chega um arquivo digital que diz que sim, que fulano de tal existe e é quem é. Arquivos digitais qualquer um pode enviar, talvez até se possam enviar a eles mesmos, os arquivos. Tudo isto parece-me uma novela, e como sou o protagonista principal, uma novela de má qualidade. Os Reis Magos podiam ter chegado um pouco mais tarde. Afinal, o Menino ainda não tem idade para apreciar os presentes e as festas prolongavam-se mais um pouco. Há que ligar o scanner.
Sem comentários:
Enviar um comentário