quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Aforismos, sentenças e escólios

Ontem descobri um autor colombiano que me parece particularmente interessante, apesar de tudo. Nicolás Gómez Dávila (1913-1994). O apesar de tudo refere-se ao facto dele não ser propriamente um adepto da democracia e baptizar-se a si mesmo como um reaccionário. Digo isto não porque ache que fosse melhor que ele se classificasse como revolucionário ou liberal, mas porque estas classificações são, mal se começa a esgaravatar nelas, equívocas e funcionam como um véu para ocultar o que é mais interessante. Ele escreveu apenas pequenos textos e aforismos, isto é, pequenas sentenças. Por norma, são verrumantes e luminosas, mesmo se se discorda delas. Por exemplo, relativamente aos homens da modernidade afirma: O moderno não tem vida interior: apenas conflitos internos. Sobre o gosto e aquela ideia, muito em voga, que o gosto é uma coisa relativa, diz: A relatividade do gosto é desculpa que adoptam as épocas que têm mau-gosto. Tem, o colombiano, também grande perspicácia psicológica: Nem sempre distinguimos o que fere a nossa delicadeza do que irrita a nossa inveja. Um escólio – é assim que o autor chama aos seus aforismos – trouxe-me à recordação toda uma literatura erótica que vai do Marquês de Sade até Henry Miller. Diz Gómez Dávila: O escritor moderno olvida que só a alusão aos gestos do amor capta a sua essência. A textualidade explícita falha sempre o erotismo, mesmo que isso estimule os apetites. A linguagem alusiva no domínio do erótico não é um tributo a uma moralidade que reprime e ou condena a sexualidade. O erótico vive naquele espaço que uma alusão abre. É sempre do domínio do não-dito. A linguagem explícita de Sade ou de Miller é uma revolta contra o interdito. A linguagem alusiva do Eros está para além do permitido e do proibido. Ela abre uma outra dimensão da experiência humana, pois o amor – mesmo o apenas carnal, para usar uma palavra caída em desuso – coloca os seres humanos para além daquilo que é a sua quotidianidade e as regras morais que a regulam. Coloca-os num outro nível do ser. Está a ser penoso chegar ao fim de Agosto, como se pode ver pelos textos dos últimos dias.

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