quarta-feira, 25 de agosto de 2021

O enigma da beleza

De um livro de Eugénio de Andrade caiu uma factura. Datada de um tempo que parece pertencer a uma era já muito distante, 25 de Junho de 2019. Nesses dias, ninguém imaginaria o que estaria para acontecer, como tudo haveria de mudar, e mal passaram dois anos. Nesse dia, comprei dois livros cujos títulos são um exemplo exímio do uso da aliteração. Um, Os Lugares do Lume; o outro, Os Sulcos da Sede. Cada título é, por si só, um poema intenso e poderoso. É isto que faz os grandes poetas. Os livros pertencem a uma edição das obras de Eugénio de Andrade, da Assírio & Alvim. São, todos eles, belíssimas edições. As capas, com desenhos de Ilda David, possuem uma extraordinária beleza. Adequam-se completamente à poesia de Andrade. A partir do início do século XX, a beleza deixou de interessar a generalidade dos grandes artistas, deixou de ser uma condição necessária para que uma obra seja classificada como obra de arte. Passado o fervor vanguardista e experimentalista, fica uma nostalgia pelo tempo em que a beleza tinha um papel central na arte. Será possível recuperá-la? Como o bem e a própria verdade, a beleza tornou-se enigmática, tão enigmática quanto o sorriso da Gioconda. No mundo pré-moderno, pensava-se que Deus era sumamente belo, bom e verdadeiro. A proclamação da morte de Deus, por Nietzsche, retirou o fundamento onde a beleza, a bondade e a verdade se escoravam. Daí, terem-se tornado enigmáticas. As férias ainda não acabaram e deveria ter cuidado em não deixar derivar estes textos para assuntos marcados por um rosto sério. Mais valia que falasse sobre a factura, aliás fatura simplificada original, completamente adequada a um mundo onde a simplicidade foi substituída pela simplificação.

2 comentários:

  1. Coitadinhos dos poemas a terem de conviver com uma factura:)
    ~CC~

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    1. Possivelmente, embora seja apenas uma hipótese, não se sentirão mal. Se não os poemas, pelo menos os poetas.

      HV

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