Talvez já tenha falado aqui em Xavier de Maistre, o irmão mais novo de Joseph de Maistre, um encarniçado inimigo da Revolução Francesa e um brilhante teórico da reacção. Lembrei-me dele porque, estando a ler Danúbio, de Claudio Magris, na verdade um livro de viagem – belíssimo – pelos locais que o rio visita. Também Xavier de Maistre fala de viagens. Duas das suas obras têm os seguintes títulos: Voyage autor de ma chambre (1794) e Expédition nocturne autor de ma chambre (1825), este uma sequela do primeiro. Há nestas obras uma ironia relativamente à literatura de viagens, então em voga. Enquanto a viagem pressupõe o abrir do espaço, rasgá-lo, digamos assim, para que o corpo nele se desloque de um ponto para outro, viajar à volta do quarto é uma forma de oclusão. Substitui-se a linha recta pelo círculo. Resta saber qual das duas formas de viagem, aquela que vai de um sítio para outro ou a que se enrola sobre si mesma, é a porta autêntica para o universal. Creio que os viajantes – mesmo aqueles que não são meros turistas e coleccionadores de recordações, mas que fazem da viagem um modo de aprofundamento da sua relação com o mundo – acabam por ser falsos cosmopolitas, presos que ficam à diversidade paroquial por onde passam. Vão do particular para o particular. Aquele que explora até ao fim o particular, esse quarto onde está encerrado e por onde viaja, acaba por descobrir nele o universal, como se cada lugar, assim explorado até ao fim, revelasse nele o segredo do cosmos. Li que Almeida Garrett terá sido influenciado pela Voyage, de Xavier de Maistre, na escrita de Viagens na Minha Terra. Se assim foi, parece-me que o português não terá compreendido o essencial da obra do escritor francês (na verdade, saboiano). Mais próximo disso esteve Alexandre Herculano, não em qualquer dos seus romances, mas quando se exilou em Vale de Lobos, na Póvoa de Santarém.
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