segunda-feira, 17 de junho de 2024

Chamo-lhe Diotima

A nossa mente, ou a nossa consciência, é um macaco saltitante. Vai de assunto para assunto, numa indisciplina generalizada. Caso as mentes fossem ao serviço militar, nunca aprenderiam a marchar. O que vale é que aquilo que vai para a tropa é o corpo, muito mais fácil de adestrar. A minha mente pensou naquela história narrada por Platão em que um sacerdote egípcio dizia que os gregos eram crianças, faltava-lhes a profundidade do tempo. Não passavam de recém-nascidos. O mundo era, porém, muito mais antigo. Daqui, desta limitação das qualidades dos gregos, a minha mente navegou para O homem sem qualidades, de Musil. Abro o primeiro volume ao acaso e leio E foi sobretudo Diotima quem confirmou nele, por uma via diferente, este sentimento de que a superfície e o fundo da sua pessoa não coincidiam. O ele em que tal suspeita foi considera é Ulrich. No homem sem qualidades, podemos pensar, há uma descoincidência e talvez seja nesse não coincidir entre superfície e fundo, entre aparência e essência, numa versão mais filosófica, que as qualidades desaparecem. Depois, penso que me agrada o nome de Diotima, não que o desse a uma filha ou o desejasse para uma neta, mas enquanto nome de personagem romanesca é perfeitíssimo. Uma coisa estranhíssima, por falar em personagens romanescas. Estou a ler um romance do dinamarquês Henrik Pontopiddan. Tem por título Hans Kvast e Melusina. Pensa-se, de imediato, que a obra se centrará em personagens com esses nomes, mas não parece ser assim. As que surgem, e já li mais de um terço, denominam-se Hugo Maertens e Matilde. A sensação de estranheza é de tal ordem que fui investigar e os dados recolhidos mostram que é mesmo assim. Talvez, lá mais para a frente, surjam Hans Kvast e Melusina. Ou, então, será uma referência cultural que me escapa. Não sou dinamarquês. O romance não está publicado em português. Está no domínio público em dinamarquês e com os modernos meios de tradução consegue-se um resultado muito interessante. Em dois anos a técnica de tradução automática melhorou assustadoramente. E assim, a minha mente, saltando como uma macaca, pulou desde o assunto da mente até aos dispositivos técnicos de tradução. Tenho uma mente indisciplinada. Esta é a verdade crua. Não me parece que seja a melhor das mentes possível. Acho que lhe deveria chamar, à minha mente, Diotima.

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