Ontem, contei uma história acerca do chatbot que uso. Ele chegou à conclusão de que eu me interesso por linguística e história da língua portuguesa a partir de um mero indício. Contemos a história a partir do princípio. E no princípio era o verbo atraiçoado. Deixando-me de enigmas. Aborrece-me que ele me responda em brasileiro, sendo eu português. Não me cai bem ver fenômenos no lugar de fenómenos. Irrita-me. Passei a pedir-lhe para me dar as respostas em português de Portugal. A certa altura, refinei o pedido, e passei a pedir respostas em português de Portugal, anterior ao AO-90, isto é, ao taralhouco acordo ortográfico de 1990, que decidiu castrar as palavras das suas consoantes mudas. Daqui o chatbot, na sua generosidade, achou que me interessava por aqueles disciplinas, o que não é o caso. Também extraiu a conclusão de que eu sou um fiel tradicionalista, visto querer escrever com uma variante do português que ele deve considerar arcaica. É assim que se criam os boatos e se lança sobre as pessoas os mais terríveis labéus. Serei eu um tradicionalista? Ora, ora, eu que cultivei as vanguardas, sou agora manchado com semelhante epíteto. Bem, o melhor é pensar no assunto. Apesar de ele, chatbot, afirmar que reconhece o português anterior ao AO-90, tem um problema com as consoantes mudas e, por norma, rasura-as. Já o admoestei, mas ele fez orelhas moucas. Temo, mas temo na verdade, que as consoantes mudas tenham os dias contados, mas nisso são como todos nós. O corrector gramatical do Word não gostou da expressão tenham os dias contados. Propôs, no seu lugar, estejam a acabar. É um corrector que se leva demasiado a sério e quer todos os textos livres de chavões. Não percebe ele que o chavão, para este narrador, é como pão para a boca.
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