domingo, 23 de junho de 2024

Decreto divino

Jean Paul, um dos grandes escritores alemães da transição do século XVIII para o XIX, antepõe ao romance Titã um pequeno texto denominado Sonhar a Verdade. Esta não é uma tradução literal, mas talvez a literalidade seja, no caso da arte, uma coisa lateral. De que trata esse texto? De um sonho, claro. Era sonhado que Afrodite e as três graças – Aglaia, Eufrosina e Tália – que faziam parte da sua comitiva estavam cansadas do Olimpo que, apesar de ser radiante, era frio, e desejavam descer à Terra, pois aqui a alma ama mais porque sofre mais e, apesar de ser mais sombria, é mais calorosa. Chegadas à Terra, o Destino, o deus supremo dos deuses e dos homens, decretou que os imortais na Terra se tornariam mortais e cada espírito se transformaria num ser humano. Imaginamos agora a verdade do sonho. Afrodite, Aglaia, Eufrosina e Tália transformaram-se em mulheres, Luísa, Carlota, Teresa e Frederica. As mulheres, apesar de mortais, são, ainda na sua natureza, divindades olímpicas, o que deixa os homens na mais terrível das situações. Ou não reconhecem na mulher a divindade que a habita ou, reconhecendo-o, só lhes resta o confronto com a sua inferioridade ontológica. Ou a ignorância ou a incurável ferida narcísica. Foi este o destino que o Destino terá querido para os homens. Eles rebelam-se, mas quem pode desfazer o que o deus dos deuses e dos homens decretou?

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