sábado, 29 de junho de 2024

Dilemas

Encontro num prefácio ao romance Somos Todos Assassinos, de Jean Meckert, uma referência à oposição entre o cinema como entretenimento e o cinema como reflexão social e política. A referência ao cinema deve-se a que a obra foi produzida, a pedido de Gaston Gallimard, a partir do guião do filme com o mesmo nome de André Cayatte. Este dilema entre entretenimento e reflexão social e política colocado pelo cinema poderia ser transposto para todas as outras áreas artísticas, desde o romance à música, da pintura à dança. O dilema é falso, mas não apenas porque existam outras possibilidades para a arte, mas porque entretenimento e arte são duas categorias culturais irremediavelmente distintas. Também a relação entre arte e expressão de problemas sociais e políticos será acidental. Retrocedamos a Hegel. Como via ele a arte? Era a manifestação sensível – isto é, através dos sentidos – do Absoluto. Esta definição que hoje em dia será olhada com vincado desprezo talvez seja mais proveitosa do que se está disposto a admitir. Não que a arte seja, na verdade, a manifestação sensível do Absoluto, mas a manifestação da uma perplexidade existencial do homem perante o Absoluto ou perante essa ideia de um Absoluto. Esse encontro entre uma consciência relativa e finita e aquilo que dela difere totalmente, que lhe é incomensurável, é o começo da arte, desse gesto que confere à matéria a perplexidade de um encontro inexplicável.

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