Saí há
pouco e dei com os meus conterrâneos, aqueles que vi, com um ar meditativo. Pensei
que era do tempo. Soturno, tempestuoso sem tempestade, céu coberto com areias
vindas do Sul, sabe-se lá de onde, talvez de Marrocos. Depois, lembrei-me de
que hoje é o sagrado dia da reflexão, aquele em que os portugueses jejuam e
fazem abstinência, como purificação da mente, não vão eles, amanhã, impuros para
as cabines de voto. A ideia deste dia de reflexão, em que os pronunciamentos
partidários estão impedidos por lei, deve-se a uma sábia decisão. Na verdade, essa
sábia decisão nada tem que ver com os eleitores. Quem quer saber se um eleitor
enviesa o seu julgamento político apenas porque o turbilhão de propostas tem
mais um dia para ecoar nas mentes indefesas? O dia de reflexão foi pensado como
um dia de descanso dos candidatos. Chegam ao fim das campanhas exaustos e
precisam de um dia para descansar. Assim, sempre têm energia para, no dia da
eleição, irem votar e, caso sejam importantes, dar uma palavras para as
televisões. Se a campanha acabasse hoje, amanhã nenhum dos candidatos votava.
Ficavam todos a dormir. Só acordariam lá para as sete da tarde, para saberem os
resultados. O legislador quis salvaguardar a imagem das instituições e
decretou, para disfarçar, o dia de reflexão dos eleitores. Muitos destes
levaram a coisa a sério e compraram espelhos adequados, onde se reflectem e
tentam descobrir com que partido está mais adequado o rosto que têm. Não os
reprovo, mas conheço gémeos univitelinos que votam em partidos diferentes,
apesar de terem rostos iguais. Não sei se o método do espelho é o mais adequado
para a decisão de amanhã. Daqui a pouco estarei com o meu neto e não falaremos
sobre as eleições europeias, coisa que ainda não prende a atenção dos seus
cinco anos e meio, mas sobre o râguebi, pois ele começou a frequentar as
escolas de um famoso clube de râguebi lisboeta. Um dia destes, lá mais para
Setembro, terei de ir ver um treino dele. O pai anda entusiasmado, terei de ver
se o filho também está. O culpado é o avô que levou toda a família a ver um
jogo de Portugal com Espanha, jogo que Portugal ganhou, o que é sempre um
incentivo para a adesão. É melhor que o método do espelho nas eleições.
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