Quando cheguei a casa descobri que me tinha esquecido dos
óculos de ler na escola. Nada a fazer senão mergulhar na noite e atravessar a
cidade. Havia muita gente em trânsito. Os carros deslizavam devagar e os peões eram sombras que se desvaneciam nos passeios. Os castanheiros da avenida estão agora lacrimosos.
Quando se aproxima o Natal, descarregam sobre eles uns fios semeados de
pequenas luzes, como se isso os tornasse mais adequados a uma época que não é a
deles. O que vale é que, estóicos, suportam tudo, mesmo os desvarios dos
homens. O seu reino virá mais tarde quando florirem. É isso que lhes importa.
Como os castanheiros, também os homens deveriam apenas preocupar-se com o que lhes
importa, com essa hora em que hão-de florir, especulei ao deixar a avenida.
Como sempre sou dado a ilusões e deixo-me arrastar por analogias cujo sentido
logo me parece bizarro. Por que razão haveria de florescer um ser humano? Nem
flores nem frutos, pensei. E apressei-me para descobrir onde tinha deixado os óculos.