Há um véu de humidade sobre as ruas. As pessoas caminham
pelo Outono com trejeitos de invernia. Piso as folhas e lembro-me dos plátanos
de uma casa onde vivi. Já vivi em tantas que lhes perdi a conta. Algumas ainda
pesam como uma sombra. Perderam as portas e as janelas, perderam a configuração
do espaço que tiveram na minha vida, mas ainda ressoam nelas as vozes dos que
já morreram. Há dias, como o de hoje, em que me levanto e penso nos meus
mortos. Talvez precise de falar com eles. Ou eles precisem de me dizer alguma
coisa. Mas continuamos obstinados. Eles no seu silêncio; eu na minha surdez. E
assim desabamos no embaraço da saudade e da obstinação. Aquilo de que queria
falar era de árvores no lume brando destes dias, mas já não sei o que hei-de
dizer. Passa por mim, esbaforida, uma mulher. Trauteia uma melodia que
desconheço. Vejo-a a afastar-se e percorrer o grande corredor do Outono onde,
percebo-o bem, abrirá a porta do Inverno. Esta é a minha cidade e ninguém, além
de mim, sabe o seu nome, uma palavra feita de humidade e luz, bela como uma lâmina
a deslizar na rasura da pele.