As noites de domingo são lugares vazios onde qualquer coisa
pode encontrar abrigo. Um sentimento, um desejo, a emoção que se escapou ao
controlo feroz da razão. Por vezes, chegam memórias antiquíssimas e recolhem-se
no desvão com que o fim-de-semana termina. Não sei porquê, lembrei-me da
atenção com que, na casa de uns tios-avós, se ouvia no rádio, num tempo em que as
televisões eram raridade, a informação sobre as previsões do estado do tempo.
Isso seria quase tão importante, penso agora, como ir à missa ao domingo. Talvez
estivessem interessados autenticamente no que iria acontecer, se precisariam de
chapéu de chuva ou se o calor iria trazer o fogo como ameaça. Prefiro, porém,
imaginá-los a registar a previsão para depois verificarem se ela se cumpria ou
não, uma atitude de vigilância aos prognósticos da meteorologia. E é na esteira
desta memória que entro na noite de domingo. Deixo-a trabalhar dentro de mim,
tento lembrar-me das faces desses meus tios, dos seus gestos, das palavras.
Silêncio e escuridão. Foi há tanto tempo que tudo isso foi rasurado e dizimado
pela voragem com que a vida, como um romance, se enredou.