Chegou a quarta-feira. Cinzas derramam-se dos céus,
arrastadas pela melancolia do sol, banhadas na água lustral de nuvens que
passam devagar sobre os telhados da antiga vila. E quase sinto saudades
daqueles tempos em que havia Quaresma com jejuns e proibições, uma árdua
preparação para a ressurreição da carne. Volteio pela cidade de carro e penso
que ela, na verdade, entrou há muito tempo na Quaresma e promete por lá ficar,
sem que uma ressurreição se adivinhe no horizonte. É agora um lugar de
melancolia. As pessoas, aquelas que vejo atarefadas e sombrias, atravessam-na
com cuidado, assombradas por um espectro que não sabem identificar. Há muito
que estas ruas e praças, que estas gentes, onde me incluo, entraram numa
irremissível quarta-feira de cinzas.