Talvez uma parte dos meus genes tenha feito uma grande
viagem, vindos de paragens setentrionais frias e pouco luminosas. Do que sei
deles, não há indicação que tal tenha acontecido, mas a minha sabedoria, com
tudo o que essa sabedoria tem de precário, não vai muito para além dos dois
séculos. A verdade é que cheguei à janela e vi uma tarde cinzenta, sombria, a
chuva a cair. Enquanto olhava com prazer para a rua, algo em mim sussurrava:
esta é a tua pátria, uma terra de sombras, dias pequenos e frios. As pessoas
corriam para se abrigarem da chuva e eu pensava que raramente sentia saudades
dos dias de calor, dessas orgias de luz, abulia e transpiração. A chuva parou. A
tarde declina e sento-me como se este lugar fosse outro, longe daqui, sem que
uma ameaça de fogo sobre ele impendesse, logo que a primavera se aproxima da
tormenta estival. Sabemos lá de onde vêm os nossos genes.