Quando hoje passei pela ponte do Raro e olhei as águas
lembrei-me de uma velha canção de Simon & Garfunkel, Bridge Over Troubled Waters. Uma lembrança a despropósito, como me
acontece com frequência. Nem a minha disposição é de andar a distribuir
consolo, nem as águas do rio, do rio da minha aldeia, quase o digo, sonham
sequer em ser turbulentas. Estas súbitas aparições do passado não deixam de ser
misteriosas. Seguimo-las e não deixamos de ir dar a becos sem saída. Quantas
vezes passei por aquela ponte? Quantas vezes, num tempo tão distante, terei
ouvido aquela canção? E tudo o que me motivou num e noutro caso tornou-se tão
obscuro que sinto crescer dentro de mim uma dúvida sobre se alguma vez
atravessei a ponte ou ouvi a canção. E assim lançada, a minha mente já se
precipitava para uma meditação metafísica sobre a irrealidade da existência. O
que me valeu foi o semáforo ter aberto. A salvação está em qualquer lado, até
num semáforo perdido numa cidade que, também ela, parece um beco sem saída.