O domingo desliza sorrateiro em direcção ao meio-dia. Na rua, andam famílias em fuga ao confinamento. Trazem crianças pela mão e deixam-nas correr nas pracetas envolventes. Numa delas, um pai joga à bola com dois filhos pequenos. Tudo de máscara, exceptuando a bola. O parque infantil, porém, está vazio, interdito pelas autoridades, apesar de não haver autoridade por perto e os sinais de interdição se terem desvanecido. Um periquito poisou numa das varandas. Passa longo tempo a apanhar sol e a contemplar o abismo. Por mim, sinto uma vertigem, como se fora eu a olhar para o precipício, mas eu não sou pássaro e o meu elemento é a terra. Ontem, caminhei longamente por fora da cidade. O pior é o declive, as subidas às quais o corpo se desabituara. A vantagem está na rápida acumulação de pontos cardio, segundo uma aplicação do telemóvel que me vigia os minutos activos e talvez muitas outras coisas que nem imagino. Oiço as vozes lá em baixo, o Sol deixou-se cobrir por um véu ligeiro de nuvens esbranquiçadas e a luz perdeu a reverberação de há pouco, parecendo sofrer de súbita anemia. Consta que é dia de S. Valentim, mas esse é um santo estranho a qualquer devoção por aqui. Mais uns dias e começa a Quaresma, coisa que já não comove ninguém. Não é fácil manter um diário quando não se tem nada para dizer.
Estou a imaginar a Mafalda a pôr uma máscara no globo: que diria ela do planeta terra, agora mais doente que nunca?
ResponderEliminar(isto a propósito da bola sem máscara).
E se as crianças usasem o parque por um bocadinho (uma família de cada vez) uma voltinha no baloiço, uma descida no escorrega, de luvas, qual seria o MAL? O BEM seria muito, penso eu...
Um dia feliz, HV.
🌿🌼
Maria
Penso que isso seria pedir muita disciplina aos portugueses. Estando lá uma família, a porta ficaria aberta para encontros no parque infantil. Somos latinos, não há nada a fazer. Entendemos a proibição, não entendemos a autocontenção. Infelizmente.
EliminarUm resto de bom dia.
HV