Há quase um ano, na verdade há mais, que estamos metidos neste sarilho da pandemia. Pensava nisto, enquanto contemplava a Sá Carneiro, agora pouco povoada, com cafés e bares fechados e transeuntes vagarosos, arrastando a vida e a idade atrás deles. Os mais velhos desabituaram-se de andar, os mais novos rasgam o ar com exuberância, para mostrar que são novos e que nada lhes resiste. Pergunto-me o que penso sobre a situação e dou por mim a soletrar os versos de uma canção de Jacques Brel. On n'oublie rien de rien / On s'habitue c'est tout. Não esquecemos nada. Habituamo-nos e isso é tudo o que me ocorre. Habituei-me ao ritmo da pandemia, ao confina, desconfina e volta a confinar. Habituei-me às reuniões online, à videoconferência, a usar máscara, aos rituais pandémicos. On s’habitue c’est tout. Foi com Jacques Brel que me tornei um apreciador da música francesa, apesar de ele ser belga. Lembro-me da sua morte em 1978, pouco tempo depois de eu ter comprado o último álbum que editou. Foi um ano que me ficou na memória, pois morreram também os poetas Ruy Belo e Jorge de Sena. Nenhum destes homens era velho. Sena tinha 58 anos. Brel, 49. Ruy Belo, 45. A medicina, se comparada com a de hoje, era muito incipiente. O dia acinzentou-se, as acácias continuam despidas, embora o bosque de cedros, ciprestes e pinheiros esteja exuberante nas várias tonalidades de verde. Ando muito memorioso, digo para mim mesmo, embora seja possível que os pássaros meus vizinhos tenham escutado. Ainda se hão-de rir por me verem a falar sozinho. On n'oublie rien de rien.
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