Enquanto olho o mundo através de uma janela, vou bebendo café. Se não há qualquer ligação significativa entre beber café e olhar através da janela, é plausível que possa haver uma relação directa entre o dia triste e cinzento, com uma luz baça e fria, e um ânimo pouco animado. Os seres humanos dependem mais do cosmos do que aquilo que eles gostam de reconhecer. Acontece que certos actos ou estados de alma podem ser o resultado de causas exteriores. Um certo tipo de luz, a forma como corre o vento, algum aguaceiro despropositado, uma vaga de calor. Todas estas coisas influem sobre o espírito, assim como sobre os ossos. Esta Terça-Feira de Carnaval mais parece uma Quarta-Feira de Cinzas, oiço dizer. Contudo, os pássaros meus vizinhos parecem animados. Conversam, cantam, voam, talvez pensem que estão já na Primavera. Presumo que não se mascarem no dia de hoje, mas a ornitologia não é o meu forte. Sei, por exemplo, que os anjos se disfarçam de pombos, mas não sei se os pombos se disfarçam de alguma coisa. O mundo está cheio de mistérios e mesmo onde eles não existem, os seres humanos inventam-nos. Umas vezes para continuar uma conversa, outras para sonhar, outras ainda para escreverem qualquer coisa. Não é amor à mentira, nem tão pouco uma inclinação para o mito, mas apenas a necessidade de continuar a usar a linguagem, cujo mistério não é dos menores.
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