Também de Fevereiro o júbilo anda arredado. Está tudo tão melancólico que a luz se some dentro de si própria, num movimento de reversão que transforma o dia em quase noite. Espreito pelas janelas, a estrada está molhada, os carros passam na avenida, um ou outro transeunte vai pelo passeio, dando ares de atleta. O esboroar da existência nem sempre se faz em festa e fogo-de-artifício. Preso ao confinamento, observo as contabilidades de cada dia, nesse balanço macabro que junta infecções e óbitos, numa economia em que a oferta da morte e da patologia excede em muito a procura. A manhã passou com um contínuo bombardeamento da caixa de correio electrónico. A existência virtual, de tão imponderável, acaba por ser bem mais adiposa que a real. À minha frente, tenho vários livros de poesia. Com os títulos compor-se-ia um poema que não haveria de desmerecer, mas o que leio, quando a virtualidade me deixa, é um romance de Peter Handke, A angústia do guarda-redes antes do penalty. Em Portugal o termo alemão Angst foi traduzido por angústia, mas na edição em castelhano, por miedo. Os franceses traduzem por angoisse e em língua inglesa está vertido por anxiety, no caso do livro, mas no do filme de Wenders, por fear. Medo será mais apropriado, ou talvez nenhum guarda-redes sinta medo, angústia ou ansiedade antes do penalty. Isso, como já vi escrito, pertence ao que vai marcar e não ao que vai tentar defender. Houve um corte súbito de electricidade. A internet desapareceu e talvez alguém tenha ficado preso num dos elevadores. Apuro os ouvidos. Silêncio. A vida é feita destas minudências e aos homens cabe-lhes apenas a metafísica do penalty. Por mim, perco-me neste diário de futilidades.
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