Uma viagem à varanda faz-me descobrir que o dia está frio. Depois, pensei sobre essa constatação e fiquei decepcionado pela minha subjugação ao mundo analógico. Fosse eu um digital nato, teria de imediato aberto a aplicação meteorológica e verificado a temperatura fria que ali consta. Qual a diferença entre um digital e um analógico? O analógico depende da realidade, um digital dispensa-a, basta-lhe consultar o telemóvel para aceder ao conhecimento. Qualquer analógico, como este infeliz narrador, está submetido à canga do real, à necessidade da verificação empírica. Desconfio que, por mais reuniões e encontros em plataformas digitais que faça, nunca conseguirei que me seja concedida cidadania nessa pátria feita de 0 e1. Por outro lado, há que ter em conta uma certa inclinação do narrador para a hipérbole. O dia não apenas está frio como chove. Vejo-o pela janela, confirmo-o no telemóvel. Depois de uma manhã passada numa reunião online, aguarda-me uma tarde numa reunião online. Só espero que jantar não seja virtual, que o tinto não resulte de uvas digitais e que a serenidade da noite seja a serenidade da noite e não uma imagem da serenidade da noite projectada do computador.
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