Nos tempos de faculdade, por vezes ia a um café na Avenida da República que tinha a peculiaridade de só servir café de saco. Não sei se ainda haverá casos desses. O estabelecimento era muito acolhedor e tinha um certo tipo de clientela interessada em coisas do mundo e da cultura. Mais de uma vez vi por lá David Mourão-Ferreira. Lembrei-me disto porque ele faria hoje anos, noventa e quatro. Nasceu no mesmo ano do meu pai. Nunca falei com ele, mas recordo-o da televisão, dos programas que fazia, num mundo em que havia apenas um ou dois canais televisivos, a preto e branco, e em que a palavra canal não se referia a esgoto, como acontece agora, quando se fala de um canal televisivo. Não estou a protestar com a televisão dos dias de hoje, as coisas são o que são e, de certa maneira, se as televisões são assim foi porque as pessoas o quiseram. Voltando ao café da Avenida da República, recordo o prazer de lá estar a ler o jornal, um vespertino, num tempo em que em Lisboa ainda existiam três jornais da tarde, que foram morrendo por falta de leitores. Bebia café, lia o jornal e fumava, como acontecia num tempo em que se fumava em todo o lado. Incluindo nas aulas. Os jornais morreram, o café morreu, David Mourão-Ferreira morreu, o meu pai morreu. Talvez já ninguém beba café de saco. Quando se envelhece a vida é um acumular de destroços e de perda de referências. Isso, porém, era uma coisa que eu não sabia. Ouvia dizer, mas não acreditava.
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