Os sonhos não são uma das minhas actividades correntes. Esta frase deve conter alguma imprecisão, pois sempre sou informado que todos sonhamos todas as noites. Terei, devido a esta omnipresença onírica, de refazer a afirmação. Recordar-me dos sonhos sonhados não é uma das minhas actividades correntes. Raramente acontece, e quando acontece é sol de pouca dura, pois a própria lembrança logo entra num limbo sem nome e desaparece. Contudo, há coisas de que me recordo muito bem. A indecisão, para não dizer coisa pior, que me acomete quando, durante a noite, estou num estado de semivigília, nem a dormir, nem acordado. Se, por exemplo, sinto frio, fico ali, sem que seja capaz de ter o discernimento de puxar o edredão. Nesse estado, tudo é sensação, mas o agir parece vedado, até que a consciência se torne plena, tome a decisão de me cobrir e aja em conformidade. Estes estados são marcados por uma outra característica, a esperança. Sinto frio, mas tenho a esperança difusa de que ele passará sem que tenha de intervir. Talvez existam nessas horas resquícios de um pensamento mágico, em que se faça acontecer qualquer coisa sem que o corpo tenha de se pôr em acção. Na praceta, lá em baixo, uma alcateia de adolescentes bezerreia à espera de que as portas do Centro de Línguas se abram, e uma professora reja os seus destinos através de ditames em língua inglesa. Estou a beber um chá feito com um fruto – ou será uma raiz ou talvez um caule? – cujo nome se evaporou da mente. Tem um sabor acidulado, forte, consta que ajuda as digestões. Asseveraram-me que acelera o metabolismo e tem efeitos que nem sei descrever. Ainda há pouco sabia o nome, agora que o quero escrever, já não o sei. O silêncio caiu sobre a praceta, as nuvens taparam o sol e a tarde corre, cada vez mais depressa, para o seu fim. Muito eu gostaria de falar sobre as causas finais, mas já escrevi demasiado, tenho de guardar o gosto para outra altura, caso não me esqueça do nome das causas.
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