Estes dias, penso-os como um tempo de regresso às coisas essenciais. Nunca soube o que eram, mas presumo-as nas horas em que chove, em que a terra seca bebe voraz a água caída do céu. O cómodo e o fácil não fazem parte dessas coisas que desconheço. Possivelmente, apenas de um modo apofático nos possamos aproximar delas. Não são isto, nem aquilo, nem aqueloutro. Navego num devaneio, a imaginação dilacerada, uma vez mais, por uma noite mal dormida. O rasgão no lençol do sono permitiu-me avançar na leitura do romance de Madox Ford, mas sinto-me numa névoa, onde a clareza do pensamento e a nitidez das imagens se afogam. Na praceta, uma voz irritante distribui censuras. Responde-lhe o silêncio. Aproveitando a cesura, o amarelo invade o verde imaculado das acácias. Na rua, do lado de lá, uma mulher caminha devagar. Leva as mãos nos bolsos do casaco. Não tira os olhos do chão, enquanto, com passos hesitantes, desaparece do meu horizonte. Alguém, um dia, perguntou: Que comércio pode haver entre a luz e as trevas? Duas respostas serão possíveis. As sombras são o resultado desse comércio. Uma outra dirá: As sombras são o muro que separa aquilo que não pode ter comércio. Chove.
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