Hoje, ao abrir o belíssimo livro, publicado em 1974, The Fall of Public Man, do sociólogo norte-americano Richard Sennett, encontrei duas evidências de que já tive um passado. A primeira delas é um cartão de um parque de estacionamento, o parque Camões, em Lisboa. Terei entrado nele às 16:43 do dia 11 de Fevereiro de 2006. Não consta hora e data de saída. Não faço ideia o que andaria a fazer, a 11 de Fevereiro, naquela zona da capital. Uma outra prova de que tive um passado é um bilhete de cinema para uma sessão no Nimas, a 25 de Março, pelas 18:15, para ver O Grande Silêncio, filme documentário sobre os monges da Cartuxa. O problema das provas é a sua incompletude. Assim como não sei a que horas saí do parque Camões, também não sei qual é o ano em que fui ver o filme. Posso conjecturar que terá sido em 2007, ano da sua estreia, mas é uma conjectura que não consigo confirmar. Ainda tentei, mas em vão. Somos constituídos por um passado do qual apenas possuímos alguns estilhaços e, quando tentamos reconstruir a vida vivida, esses estilhaços não encaixam uns nos outros. Depois, contamos uma história sobre tudo isso, mas essa história não passa de uma invenção. Tanta coisa, e o livro de Sennett? Trata do refluxo sentido já nos anos setenta do século passado da vida pública e do fechamento das pessoas na vida privada, no seu ego. Lembrei-me deste livro porque talvez exista nele, com os seus quase cinquenta nos, alguma coisa que permita perceber os nossos dias. Deparei-me, porém, com um obstáculo, que não existia noutros tempos, o tamanho dos caracteres. Terei de o comprar de novo em ebook. Aí posso aumentar o tamanho da letra. Em poucos dias, é o segundo caso em que sou confrontado com o facto das lentes estarem a ficar desadequadas. Poderia especular, ainda, sobre o filme e o livro, sobre se eles se podem articular, mas hoje não estou com grande imaginação. Ficará para outro dia, caso me lembre do assunto.
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