Todas
estas coisas que fazem do Outono o Outono agradam-me, embora tenha pouco poder
para as nomear. Dar-lhes um nome seria capturá-las dentro de uma etiqueta
mental à qual corresponderia uma emissão vocal ou um conjunto de traços
inscrito numa superfície, isto é, dizê-las ou escrevê-las. As coisas que fazem
do Outono uma estação, porém, resistem à captura, como se fossem peixes
conhecedores dos truques das redes e, com essa sabedoria, encontram sempre um
modo de escapar ao desejo do pescador. Pode-se usar uma modalidade de indicação
ostensiva. Dizer esta luz é outonal, o modo como o vento embala as folhas das
acácias também o é. É ainda possível que o voo daqueles dois corvos, que vejo
no céu ao longe, seja diferente do voo estival ou daquele que terão no Inverno.
Há uma diferença que não é apenas de grau, mas de natureza, entre a captura na
mente e a indicação. A captura na mente é um passo na estratégia para nos
apoderarmos das coisas que estão no mundo e que começaram assim a ser nossas
presas. A indicação ostensiva é apenas um gesto que assinala as coisas no seu
fluir. Indicar as manifestações do Outono não me dá qualquer poder sobre ele.
Não o posso manipular, mas permite orientar-me nos tempos outonais, dançar com
esses elementos que estão aí e que indico com a ponta do dedo. Se alguém chegou
até aqui, então tem direito a uma confissão. Por vezes, as segundas-feiras, com
o mergulho que obrigam no mar da realidade, transtornam-me. É fruto dessas perturbações
que começo a escrever textos como o de hoje. Uma fuga à realidade, dirão os
cavaleiros da realidade ou do apocalipse, se é que há diferença entre eles. Uma
fuga, confirmo.
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