Vender produtos em quarta mão. O produto para venda é a ideia de que, em certa altura, no mercado parisiense de Les Halles se produzem mais figuras de estilo num só dia do que em toda a Eneida. Porquê quarta mão? Porque vi a afirmação num artigo de António Guerreiro no Público. Este repetia o gramático Pierre Fontanier (1765-1844), que por sua vez ecoava (sic) o poeta Nicolas Boileau, nascido em 1636. O assunto que motiva o texto de AG não me interessa, mas a frase orienta o olhar para uma realidade diferente daquela que esperamos. Cremos que a linguagem comum seja mais dada à referencialidade directa, menos propensa à equivocidade semântica, enquanto a literária seria um trabalho de jardinagem em que se cultivaria o adorno discursivo através do recurso às figuras de estilo. A realidade poderá ser outra. A linguagem comum – e haverá linguagem mais comum, mais corrente ou vulgar, do que aquela que se usa num mercado? – será um lugar borbulhante de inovações semânticas, uma espécie de fogo-de-artifício contínuo, onde a linguagem se inventa, se cria e recria, além de se recrear, enquanto o trabalho literário é um exercício de contenção desde borbulhar, a troca da exuberância de um vinho espumoso, por um denso e austero tinto, com uma longa vida ainda pela frente. A arte poética não estaria tanto no metaforizar, mas no conter da metáfora dentro de uma frugalidade rigorosa. Com tudo isto quero apenas dizer que produtos em quarta mão podem ajudar muito bem a pensar e que a sabedoria reside na reciclagem e não na produção contínua de desperdício.
Sr. Peregrinatio por certo não viu Something’s Gotta Give (pronto, já sei que não viu). É uma espécie de Beaujolais Noveau.
ResponderEliminarNão, não vi. Vou ver se o descubro em DVD.
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