Há um quadro famoso do pintor florentino do século XVII, Lorenzo Lippi, que alimenta inúmeras controvérsias, a começar pelo título da obra, Mulher com Máscara ou Alegoria da Simulação. São múltiplos os ensaios interpretativos, com a exploração da simbólica presente no quadro – a máscara, na mão direita, e a romã, já fendida, na esquerda – e também da figura da jovem mulher. Há duas coisas que me deixam perplexo. Em primeiro lugar, a indecisão sobre a acção representada. A mulher está a tirar ou a pôr a máscara, ou nem uma coisa nem outra, apenas a exibe sem intenção de a utilizar? O mesmo se passa com a romã. Foi acabada de receber ou, pelo contrário, está a ser oferecida, ou é apenas uma exibição do fruto? A segunda perplexidade deve-se ao estranho afastamento entre os dedos anelar e médio da mão direita, a que segura a máscara. Olha-se e fica-se com a sensação de que ali caberia outro dedo ou que falta um dedo entre aqueles dois. Estas duas perplexidades parecem-me ser a porta que fecha para sempre o mistério do quadro, o que tem um efeito interessante. Quebra a tentação narrativa, a ideia de contar uma história interpretativa da obra, obrigando à suspensão do discurso para dar lugar à pura contemplação da obra. Agora, depois deste discurso contra o discurso, vou recolher-me para tomar uma decisão. Será que devo tomá-la fazendo o caminho da deliberação, o raciocínio prático do velho Aristóteles, ou suspendo o discurso e deixo que uma intuição me ilumine na decisão a tomar? Não se pense que é uma coisa importante, apenas se devo ou não comprar um certo produto. Se a deliberação estiver errada ou a intuição me iluminar mal, não perderei grande coisa.
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