Uma semana de Outubro passada
e o calor não recua no terreno. Tem um exército bem treinado e não está
disposto a ceder à amenidade dos dias frescos. Hoje acordei com uma alma
heraclitiana e em tudo vejo conflito, a guerra é a mãe de todas as coisas. Não
é sempre com esta alma que acordo. Tenho também uma alma parmenideana. Quando
acordo com ela, os conflitos desapareceram e até a própria mudança se extravia
para parte incerta. Estou – melhor, sou – no reino da uniformidade. Tudo é
imóvel e eu permaneço na imobilidade geral. Quem sofre da doença da dupla alma contém
em si todas as filosofias que existem, aquelas que virão a existir e todas as
possíveis que nunca virão à existência. Quem traz em si todas as filosofias
possíveis, porém, deve abster-se de privilegiar alguma e, desse modo, não deve
ter nenhuma, pois escolher uma seria um acto de exclusão de todas as outras. Um
ser filosófico, na sua completude feita de duas almas, não tem nenhuma
filosofia, enquanto todos os que têm filosofias não são seres filosóficos, pois
são incompletos, faltando-lhes ou a alma heraclitiana ou a alma parmenideana.
Fiquei assim depois de tentar em vão consertar uma ligação da máquina de lavar
louça à canalização da rede pública. O dispositivo, de natureza heraclitiana, decidiu
começar a pingar, inundando o que não devia. Eu, também em maré heraclitiana, apliquei-me
em consertar mais este torto no mundo, mas, nesse instante, a minha alma virou parmenideana,
e a coisa manteve-se como estava. Optei então pela imobilidade do que se estava
a mover e fechei a torneira de segurança. Uma derrota na minha gesta de
consertador de mundos. Amanhã, terei de contactar algum canalizador
heraclitiano para que a coisa entre nos eixos. O calor expande-se e os meus
neurónios arrastam-se sempre que são chamados a fazer sinapses.
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