Conforme vou lendo o romance, mais ele me recorda O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati. Refiro-me a A Costa das Sirtes, de Julien Gracq, na tradução de Pedro Tamen. Há na obra qualquer coisa de espantoso. Não se trata da intriga que compõe uma geopolítica imaginária, coisa que podemos encontrar em Ernst Jünger, mas o poder descritivo de Gracq. Muito mais do que pelo diálogo e pelas cenas de acção, é através da descrição das geografias interiores dos protagonistas e das geografias exteriores – sejam edifícios, como o almirantado, sejam as paisagens onde se desenrola a acção romanesca – que o romance se vai desenvolvendo. O uso sistemático da descrição visa criar uma ambiência e, a certa altura, o leitor pergunta-se, tal como em O Deserto dos Tártaros, se não será essa ambiência a verdadeira protagonista da narrativa. O romance moderno, na sequência da afirmação da subjectividade e da descoberta do indivíduo, centra-se em heróis ou anti-heróis, agentes autónomos que buscam os seus fins. O que pode ter ficado de lado no deslumbramento moderno com o indivíduo é a dependência dos protagonistas do ambiente onde vivem, o qual os trabalha e os conduz para que realizem certas acções que não estavam nos seus desejos, mas às quais não puderam escapar. Foi isso que a leitura do primeiro terço do romance me fez pensar. Pode ser, não o nego, o efeito de ler durante as horas de sono. Não é inverosímil que a compreensão da obra esteja a ser afectada pela rêverie que aquelas horas de insónia sempre proporcionam.
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