Na sala, há quadros com
motivos de caça. São aves mortas por um tiro certeiro penduradas numa parede.
Verdadeiras naturezas mortas. Estou fora do meu ambiente, estranho as pinturas.
Pertencem a um mundo que, definitivamente, não é o meu. Como todos nós, sou
descendente de caçadores-recolectores. Sem a caça a
espécie não teria sobrevivido e eu não estaria a escrever estas palavras.
Imagino, porém, que alguma coisa se terá perdido no caminho. Talvez os nossos
antepassados caçassem num acto ritual e ficassem gratos à vítima por lhes dar a
sua carne e a possibilidade de continuarem a viver. Hoje a caça, continuo a devanear,
é um exercício fundado não na estrita necessidade, mas na satisfação de um
prazer egoísta, que encontra o seu objecto na morte do animal. Não haverá
diferença para os animais que morrem, mas a forma como são mortos afecta o
espírito e manifesta o carácter de quem os mata. É o que me ocorre neste
sábado, em que me perdi por terras do Alentejo, onde tudo parece pertencer a um
outro mundo, mais branco, mais silencioso, mais lento, mas talvez mais
dissimuladamente violento.
Gostaria de ter a coerência de Elisabeth Costello quanto aos animais. Porém, não sou vegetariana. Tenho um frango a assar no forno. Isto pode ser terrível, de um certo ponto de vista, e delicioso num outro. Confesso que, há muitos anos, venho a exercitar isto: aquilo que nomeamos, seja uma galinha, uma perua, ou um cordeiro, é diferente da abstração de uma peça de carne anónima, embalada e limpa.
ResponderEliminarUma diferença absoluta.
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