terça-feira, 10 de outubro de 2023

Fundamentalistas dos textos

Hoje passou-me a vontade de escrever apocalipses. Só de pensar no assunto fico exausto. Mais interessante seria escrever teorias da conspiração. Tenho, porém, um ponto fraco. Falta-me a alma de conspirador, o que me impediu de ser o quadragésimo primeiro conjurado na revolta do 1.º de Dezembro de 1640. Tivesse eu essa alma, e a história seria diferente, pelo menos no número de conspiradores. Há quem me afiance que aqueles que escrevem teorias da conspiração não conseguem conspirar contra coisa nenhuma, exercício que exige disciplina, realismo, cálculo de probabilidades, intuição para a teoria dos jogos e capacidade de acção dento dos limites estreitos das possibilidades. Os escritores das teorias da conspiração, apesar de anónimos, são desprovidos de disciplina e contacto com a realidade, não sabem calcular, não imaginam que exista uma teoria dos jogos e poder de acção é coisa que neles não existe. Em suma, falta-lhes, como a este narrador, a verdadeira alma de conspiradores. Então derramam nos processadores de texto – os conservadores fazem-no em papel – as mais alucinadas teorias. Eis uma outra faculdade de que estou desprovido, a da alucinação. Por vezes, alucino um pouco nestes textos, mas é mesmo tão pouco que chego a pensar que são descrições hiper-realistas do mundo. Com tudo isto, consegui perceber a razão que me impede de ser um escritor de teorias da conspiração. Tenho um poder de alucinação muito baixo. Quase que se pode dizer que sou impotente, o que pode ser uma coisa boa para o mundo, pois é menos um a multiplicar maluquices. Contudo, o problema não está tanto em quem escreve teorias da conspiração, mas nos leitores que lêem essa literatura. Levam muito a peito a suspensão da descrença, que no dizer de Coleridge é essencial para seguir uma história ficcional. Nas teorias da conspiração, encontramos aquilo que o poeta inglês diz ser necessário para suspender a descrença: a teoria implausível deve ter um interesse humano e uma aparência de verdade. Um leitor normal de romances suspende a descrença enquanto lê, mas, quando pára a leitura, põe em vigor a descrença, torna-se ateu perante o que está a ler. Já os leitores das teorias da conspiração são muito mais fiéis ao texto e nunca suspendem a descrença. São religiosos da literatura, digamos assim, verdadeiros fundamentalistas dos textos.

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