É no pensamento 529, na edição portuguesa, que Blaise Pascal trata do spleen. Muito antes de Baudelaire. Não é assim que ele lhe chama, mas Ennui. Em português, optou-se por tédio. Este nascerá da insuportabilidade de o homem estar em pleno repouso, isto é, ausência de paixão, de afazeres, de divertimentos, de tarefas. A inacção seria um revelador insuportável da natureza ontológica do homem. Pascal dramatiza: Sente então o seu nada, o seu abandono, a sua insuficiência, a sua dependência, a sua impotência, o seu vazio. Perante a experiência dessa natureza decaída e nula, virá do fundo da alma o tédio, mas não vem só. Acompanha-o a treva, a tristeza, o desgosto, o desprezo, o desespero. Tremo perante a descrição deste inferno moderno, eu que estou em pleno dia de repouso, desejando nada fazer. Contudo, o pensamento pascaliano projectou-me para a acção – já que qualquer paixão que me possa tocar será de evitar – e entrego-me ao acto de comer aquilo que, na padaria pós-moderna existente neste lugar abandonado pelos anjos, dão o nome de rolinhos de canela. Não gosto do nome, mas rasuro-o ao comer a coisa. Não devia fazê-lo, pois hoje tive um encontro muito desagradável com a balança. Há muito que não a pisava, e ela, por despeito, sentindo-se abandonada, temendo o seu nada, devolveu-me um peso exorbitante. Não lhe disse nada, saí de cima dela e deixei que a informação digital do monitor se apagasse. O meu nada está muito pesado, pensei já numa versão próxima de Pascal. Agora, tenho de me despachar, pois tenho de ir à capital de um outro distrito para ver um filme do Nanni Moretti. Lugar a que terei de voltar, caso queira ver o de Woody Allen, isto se não for à capital do império, do antigo império, queria dizer, agora uma cidade pimpona, cheia de turistas desejosos de vistas panorâmicas.
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