Os dias estão a encolher a olhos vistos. Imaginemos que chegávamos à Terra em Junho e nada soubéssemos da mecânica das estações, das relações entre a Terra e o Sol. Neste momento, haveria razões para temer que a luz, com o passar dos dias, desaparecesse para sempre. O que nos esperava seria um mundo de trevas eternas. Durante muito tempo, até a ciência se introduzir no assunto, existia um temor real de que isso pudesse acontecer, pois não faltavam, na história da humanidade, as festividades para assinalar o solstício de Inverno e agradecer, mais uma vez, que a ameaça pendente sobre a Terra não se tivesse concretizado. O que é curioso é que a experiência da repetição dos períodos de crescimento e de decréscimo dos dias não era suficiente para tranquilizar o coração dos homens perante o temor de uma noite sem fim. O conhecimento científico poupou-nos o medo, mas, ao mesmo tempo, matou o espírito de gratidão pelo funcionamento do cosmos. A noite está a cair. A luz crepuscular é, a cada instante, mais ténue. A vida quotidiana manifesta-se no barulho dos carros que passam desejosos de chegarem ao destino e das injunções para que a neta mais nova tenha atenção ao exercício de matemática. Eu penso na noite sem nome que há em mim, na esperança de encontrar alguma lua que a ilumine, ou na chave da equação que se esconde sobre o peso do nome que me deram.
Já tive uma marquesa hidráulica e uma marquesa eléctrica. A segunda era a coqueluche das marquesas. Como não se podiam ver, viviam em salas diferentes, uma na medicina, outra na cirurgia. Agora já não tenho nenhuma delas. Suponho que estão velhas e sem sentido de humor. Trabalho numa mesa comprida e rígida. Hoje vi uma galinha. Portou-se melhor do que qualquer animal doméstico. Ficou quieta, enquanto retirei uma pequena pedra, que lhe tinha causado um abcesso na pata.
ResponderEliminarMarquesas que fazem parte de uma aristocracia decadente. Talvez os animais de capoeira sejam menos desconfiados do que os domésticos.
EliminarNão sei. Costumam acabar na guilhotina. Aliás parece que foi por isso mesmo que Camus, ao assistir à morte de uma galinha efectuada pela sua avó, quando era ainda criança, escreveu o texto que teve peso na anulação da pena de morte em França.
EliminarJuro que não li isto nas Selecções do Readers Digest.
ResponderEliminarFoi no Coetzee.
Eu nunca li Coetzee. Talvez um dia destes.
EliminarNão perca tempo. É tal e qua a Annie Ernaux em O Jovem.
ResponderEliminarObrigado pelo conselho.
EliminarPode até ser um mau conselho, porque, percebendo os seus gostos literários, o que é Coetzee para um certo público leitor, talvez seja Annie Ernaux para si. Dos quatro livros que tenho dela, só li dois. Sei que os melhores estão ainda por ler, entre os quais, Os Anos, que penso ser o melhor. De Coetzee gostei francamente do Verão, e de Elizabeth Costello (que voltei a encontrar no Homem Lento), do qual gostei menos, assim como de Diário de um mau Ano, do qual francamente ficou apenas uma memória difusa a Roth. Não li Desgraça, mas ainda gostava de ler, nem os últimos, cujas críticas não me entusiasmaram.
EliminarMas, pondo de lado o atrevimento da minha comparação, acho francamente que Coetzee está muito acima de O Jovem, aliás lamentável.
A Annie Ernaux também me é desconhecida e o que li sobre ela não me despertou interesse.
EliminarJon Fosse.
ResponderEliminarImagino que possa apressar as traduções. Um Nobel que me agrada.
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