quinta-feira, 26 de junho de 2025

In vino veritas

Acabei de chegar. Fui a um bar de vinhos beber um copo. Caí, agora, numa metonímia banal: tomar o continente pelo conteúdo. Ninguém bebe copos, mas o líquido que está dentro deles. No meu caso, o conteúdo era vinho branco. Primeiro, um alvarinho; depois, um loureiro. Também ninguém bebe alvarinhos ou loureiros, mas os vinhos que se fazem destas castas. O alvarinho era interessante, mas não extraordinário. Contudo, o loureiro foi o melhor que bebi até hoje. Quem me vê, não poucas vezes me confunde com um nórdico, mas em certas coisas sou estruturalmente latino. Cerveja é, claro, bebida de nórdicos, bárbaros. O vinho é uma herança do velho Lácio. E nele se concentra muito do que há de extraordinário neste mundo e talvez em outros que não conhecemos. Requer a lentidão contemplativa. A cor – o loureiro tinha uma belíssima cor –, o aroma e, depois, a multiplicidade de sabores, tudo isso exige mais, muito mais do que um desejo de álcool. O famoso adágio in vino veritas não que dizer aquilo que se pensa. Não significa que bêbadas, as pessoas tendem a dizer a verdade, a revelar os segredos. A verdade que se manifesta no vinho não é a que está no sujeito que bebe, mas na coisa bebida. Nele, a realidade do mundo manifesta a sua essência e nessa manifestação está a verdade desse mundo. Um mundo que não permitisse o fabrico do vinho não seria um verdadeiro mundo, mas um simulacro. Todos nós pensamos em mundos possíveis, mas quando se pensa num mundo onde não existe vinho pensa-se num mundo impossível. Se eu fosse um Leibniz tardio – coisa que não sou – argumentaria que este é o melhor dos mundos possíveis. Porquê? Porque nele existe vinho e a música de Bach. Sim, estou a ouvir as Variações Goldberg, por Glenn Gould. Não, não estou a beber. Não suporto demasiada verdade num só dia.

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