A minha neta acabou de sair. Retorna a Lisboa, depois de uma semana por aqui, em luta com a economia. Agora, a casa ficou mais vazia. Ontem também cá esteve o mais novo. Perguntou-me se queria jogar xadrez, mas não estive pelos ajustes. Tinha de procurar o tabuleiro e as peças. Ficámos pelas damas. Ganhou-me um jogo e empatámos outro. No fim, comentou que o avô o tinha deixado ganhar. Desmenti. Este desmentido não foi uma mentira piedosa. Faço sempre um certo esforço para jogar seja o que for, e ontem estava com pouca disposição, mas há coisas que não se recusam. Transbordando de entusiasmo fingido, lá fui movendo as peças sem grande nexo e ele ganhou mesmo. Tenho de lhe comprar um jogo de xadrez, mais tarde ficará com o meu. Na adolescência joguei muito xadrez, mas, depois, perdi o interesse, talvez a paciência. Tenho de a ganhar, para o ensinar. A relação entre avós e netos é uma coisa muito especial. Não conheci nenhum avô – as avós, sim –, pois morreram antes de eu nascer, e, por vezes, sinto que foi um indecência que o destino me fez a mim, que me privou deles, e a eles, que morreram ainda relativamente novos. Está um dia indeciso, estranho como uma página de metafísica, soturno como uma sermão moral. Os pássaros meus vizinhos – são aves urbanas – não param de falar, mas ainda não consegui descobrir o alfabeto que usam e por isso perco-me na tradução. Eles estão seguros da incompreensibilidade; sabendo-me por perto não se coíbem de dizer o que têm a dizer. Não há problemas que ele nos oiça. Ouvir é uma coisa e compreender é outra, dizem entre si, e ele – referindo-se a mim – não compreende nada do que dizemos. Só posso corroborar. Não entendo nada do que eles dizem, nem do que eu escrevo ou penso, caso ainda pense. Bebo água para não desidratar.
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