sábado, 21 de junho de 2025

Meditação solsticial

Começou o Verão. O solstício foi lá pelas 3 horas e 42 minutos, mas não dei por ele. Estava a dormir. Também se estivesse acordado não daria por ele. Não é coisa que se veja, oiça, cheire, saboreie ou tacteie. Isto nada nos diz sobre ele, mas é muito esclarecedor sobre as limitações a que os nossos órgãos sensoriais estão sujeitos. Hoje, quando saí de manhã, estava muito menos Verão do que ontem, anteontem e antes de anteontem. A empresa fornecedora de estações do ano cumpre os prazos, mas entrega produtos de duvidosa qualidade. É capaz de enviar uma Primavera que parece um Verão consumado, para logo de seguida nos dar um Verão que é uma Primavera tardia. Este é um tema inesgotável por aqui. Sem conversa, logo vem o clima, o calendário, as estações, a imprevisibilidade do tempo, a má gestão de S. Pedro. Hoje será o maior dia do ano; depois, começa um lento definhamento até chegar ao mais pequeno. Podia falar de coisas mais interessantes e fingir erudição. Por exemplo, escrever sobre Georg Groddeck. Dele sabia duas coisas: que teria tido alguma influência no doutor Sigmund Freud e que na colecção TEL da Gallimard havia a sua obra mais conhecida, Le Livre du Ça. Uma das características mais notáveis da colecção, para além dos autores que publicava, eram as capas de Vasarely. Descobri, entretanto, outras coisas interessantes sobre o autor, mas guardo-as para futura oportunidade, não vá ter uma crise de falta de inspiração. Um outro tema curioso seria os meus erros de digitação. Por que razão escrevo sempre falat em vez de falta? Tenho outros, que raramente consigo evitar. Os dedos precipitam-se e querem ultrapassar-se uns aos outros. Sofro de indisciplina digital. Não tenho dedos prussianos, é a conclusão a que chego. Lamento-me muito da falta de ideias, mas o mundo e eu mesmo estamos repletos de matérias aliciantes. Meu Deus, quem poderá querer ignorar o drama da minha precipitação digital? Ontem, refresquei-me com o velho mazagrã, coisa de senhoras de outras eras, mas o que me apetece agora é uma bela cerveja belga, uma daquelas produzidas pelos monges trapistas. O problema é que nunca me lembro de comprar cerveja. Talvez seja demasiado filho do Lácio para me entregar a uma bebida de bárbaros, mesmo que abençoada. Como o Verão astronómico começou, fico-me pela água.

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