Um dia esfusiante para acrescentar glória à minha gesta gloriosa. A manhã ocupei-a em luta contra os dragões burocráticos. Enfrentei um ligado aos impostos e outro aos deveres profissionais que ainda vou tendo. Luta feroz, terrível, mas a minha auréola de herói saiu reforçada: perdi ambos os combates, pois ninguém derrota o fisco, nem as invenções que um deus inútil forja para espalhar a inutilidade entre os mortais. Animado, reservei-me para depois do almoço enfrentar o terceiro dragão. Um dragão técnico. Apesar de tudo, ainda sou quase uma pessoa normal. Tenho um contrato com uma operadora de telecomunicações, uma daquelas ínvias instituições que me vendem a possibilidade de telecomunicar, internetar, telefonar – apesar de ter mandado para o lixo o telefone fixo – e telever. Fazem isso a troco de uma mensalidade generosa, com a finalidade de testarem a minha inclinação natural para a bondade. Ora, essa Santa Casa da Misericórdia Telecomunicacional decidiu trocar dois aparelhos que montara cá em casa por um único. Teve uma ideia brilhante. Nada de enviar um profissional para fazer o processo, mas testar a capacidade técnica dos assistidos pela sua generosa caridade. Sim, fomos nós, os donos da casa e felizes consumidores telecomunicacionais, que recebemos o imperativo – estou a medir as palavras – de desmontar e montar aquela tralha tecnológica, o qual foi acompanhado por uma terrível ameaça, a lembrar uma praga do Egipto, para o caso de não se entregar os dois aparelhos substituídos. Havia instruções para a desmontagem e remontagem, claro. Umas em papel, mas a letra era tão pequena que nem com a lupa se conseguiam ler. Outras num manual digital em pdf, mas eram omissas precisamente naquilo que não conseguíamos resolver. Havia ainda outras, um vídeo com um rapaz que pensava que tinha graça e debitava instruções a uma velocidade digna de um Grande Prémio de Fórmula 1, tratando os clientes como se tivesse andado com eles na noite a fumar substâncias ilícitas. Agora, pensei ao fim de três minutos, perante este dragão, estou perdido. Desmontei, montei, liguei, desliguei. Decido telefonar e, nem sei como, não me enganei no número. Depois daqueles preâmbulos com vozes gravadas, sou encaminhado para um assistente. Não era um assistente, era uma assistente. Não, na verdade, era um assistente, pois, apesar da voz feminina, foi um anjo descido dos céus que nos ajudou –esta era uma tarefa colaborativa – a matar o dragão. Para ser mais preciso, foi o anjo que matou o dragão, só para acrescentar glória à minha gesta nesta Terra. Um grande dia.
Sem comentários:
Enviar um comentário