sexta-feira, 20 de junho de 2025

Mazagrã

Abro um dos eReaders que uso para leitura e descubro um romance que não li até ao fim. Faltam, segundo a informação disponível, 59 minutos para acabar, o que equivale, na contabilidade do dispositivo, a 21% da obra. Um pequeno romance. Não me lembro das razões que me levaram a suspender a leitura, mas devem existir. Ou talvez não. Sou eu que, por desleixo trazido pelo hábito, olho para tudo o que acontece como se estivesse amarrado a uma cadeia causal. Nada acontece sem que haja uma razão suficiente que explique por que é assim e não de outro modo, diria o senhor Gottfried Leibniz. Este princípio, porém, entedia-me. Não se trata de dizer que é falso ou verdadeiro, mas que provoca em mim, com a temperatura ambiente, um tédio incalculável. Tomemos em consideração o dístico de Angelus Silesius: A rosa é sem porquê, floresce porque floresce, / Não cuida de si própria, nem pergunta se a vêem. A rosa não é a rosa, ou só a rosa. Do ponto de vista poético, é uma metonímia. Não é apenas ela que é destituída de porquê, mas toda a realidade, onde se inclui o meu abandono do romance. Abandonei-o porque o abandonei. Só isso. Hoje todos sabemos – pelo menos os que se interessam pelo assunto – a razão por que a rosa floresce; sabe-se as cadeias causais que conduzem ao florescimento. Contudo, apesar disso, nada sabemos, e a verdade está toda no verso de Silesius. Refresco-me com um copo de mazagrã. Sabe-me bem, mas esse saber bem é como o florescer da rosa, e é nele que está toda a sua verdade. A autora do romance – omito o nome – é uma bela e interessante mulher. Vi-a há dias numa entrevista. Está na idade em que as mulheres florescem, fazendo-o sem porquê. Contudo, cuida de si própria e, por certo, já se perguntou ao que veio. E é aí que começa a queda. Voltarei ao romance um dia destes. Por agora, fico no mazagrã.

Sem comentários:

Enviar um comentário