Não sou só eu. Em As Sete Idades, de Louise Glück, encontramos o poema Marmeleiro. O primeiro verso estabelece, de imediato, uma relação comigo: No fim, só tínhamos o clima como tema. É o que me resta nestes dias sem nome – pois até o dia da semana se evapora da consciência – em que o calor cai sobre a cidade como um bombardeamento de poderosas esquadrilhas inimigas. Sim, também só tenho o clima como tema. Podia contar o terror do dia de ontem, mas nada acrescentaria ao tema do clima, pois foi dele que veio o terror, como se fosse um directório jacobino em exercício no poder, sempre com a guilhotina do sol à mão. O segundo verso do poema tem uma natureza salvífica: Felizmente, vivíamos num mundo com estações. A pluralidade de estações do ano traria uma diversificação temática às conversas de um casal a quem, faltando temas, não faltariam palavras. Também não me faltam palavras. Aliás, há em mim uma fonte borbulhante de vocábulos, sempre prontos a ser mobilizados para formarem frases atrás de frases. O pior é o tema. A minha expectativa é que o frio do Inverno e o calor do Verão me forneçam o que não tenho, assim como as indecisões climáticas da Primavera e do Outono. Acabei de espreitar a Sá Carneiro. Apenas casas e árvores na avenida. Nem carros passam, como se se tivesse voltado àqueles dias da pandemia, onde as coisas desapareceram do horizonte onde estavam habitualmente. Bebo água, dormito, deixo que pensamentos sem nexo dancem na minha mente e espero que o ataque funesto do inimigo passe, para poder ir à rua certificar-me de que ainda existe um espaço público, que a aviação inimiga não destruiu aquilo que levou séculos – talvez milénios – a erguer. Sim, eu sei: o resultado não é extraordinário, mas o que conta é o processo, e esse, pela sua longevidade, é extraordinário – tal como o clima. Ordinária é apenas a falta de tema. Felizmente, ainda não desapareceram as estações.
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