Chegou a época em que a consulta a um site meteorológico se tornou indispensável. Por aqui, a temperatura chegará hoje aos 42 graus, mas na terça-feira, aos 44. Nem sei o que dizer sobre o destempero de S. Pedro. Terei de ir a Lisboa, à festa, ao ar livre, de fim de ano lectivo do meu neto. Começa às três da tarde, quando estarão por ali 39 graus. Duvido que a direcção e os organizadores tenham o hábito de consultar a meteorologia quando programam estas coisas. Como não tenho vocação para mudar o mundo – e mesmo que a tivesse, o mundo não gosta de ser mudado – aceito as coisas como elas são, apesar de elas deverem ser de outra maneira. Não se trata de uma consciência demissionária das suas responsabilidades comunitárias, mas de saber o que a casa gasta – uma belíssima expressão – e ter idade suficiente para perceber que a casa não está interessada em novos produtos. Por casa, não me refiro ao colégio, mas a este país. Aliás, tenho assistido ao longo da vida a coisas extraordinárias. Não apenas à manutenção de coisas completamente disfuncionais, mas que fazem parte daquilo que a casa gasta, como, não poucas vezes, vejo pegar em coisas que funcionam muito bem e mudá-las até que se tornem disfuncionais. Se há uma coisa que os portugueses gostam é da disfunção. Consomem disfunção atrás de disfunção, com grande prazer. É isso que os alimenta e lhes permite dizer mal de tanta disfuncionalidade. O amor à disfunção é uma paixão pela maledicência. Temos medo de não haver matéria a maldizer, por isso apostamos tudo na disfunção. Não sei o que me deu, para hoje estar a dissecar a alma-pátria. Eis mais uma bela expressão: alma-pátria. É daquelas que Frege diria que tem sentido, mas não tem referência. Todos percebemos o que ela quer dizer, mas, mesmo que procuremos bem, nunca encontraremos uma alma-pátria. E isto revela o grandioso desígnio destes textos: falar de coisas que têm sentido, mas que não têm referência, que não se referem a nada. O pior é a temperatura alta, que não apenas tem sentido, como tem uma efectiva referência. Maldita Bedeutung.
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