sexta-feira, 18 de julho de 2025

Leitura meditada

A vida literária da Áustria, nos primeiros trinta anos do século XX, é uma espécie de milagre: Robert Musil, Hermann Broch, Joseph Roth, Leo Perutz, Karl Kraus, Arthur Schnitzler, Hugo von Hofmannsthal, Stefan Zweig. Contudo, se se quiser passar da Áustria para um espaço cultural mais alargado, aquele que é designado pelo termo Mitteleuropa (Europa Central), descobrimos que o milagre austríaco se inscreve numa área mais vasta de milagres literários. Desde muito cedo, a minha pátria literária foi essa Mitteleuropa, talvez por culpa de Franz Kafka, cuja leitura me mostrou um mundo literário que não era plausível para um meridional. Tudo isto vem a propósito da leitura de Das Spinnennetz (A Teia de Aranha), o primeiro romance de Joseph Roth. O autor expõe, em 1923, o foco psicológico que dá energia a dois fenómenos que vão ter, na história do século XX, as mais funestas consequências: trata-se do ressentimento, que é um dos elementos centrais tanto do nacionalismo como do anti-semitismo. Impressiona a clareza com que Roth, muito antes da catástrofe se declarar, a torna patente. Talvez a sua condição de judeu e de jornalista o tenha tornado sensível ao espírito do tempo. No entanto, o que é marcante no diagnóstico feito é a clara compreensão do papel do ressentimento na determinação da agência dos indivíduos. Os europeus — mesmo os meridionais, como os portugueses — fizeram uma dura aprendizagem sobre o papel do ressentimento na história. Quando os indivíduos ressentidos se tornam uma massa, as maiores desgraças estão ao virar da esquina. Essa aprendizagem parece já ter sido esquecida e vemos o ressentimento a tomar conta de cada vez mais pessoas. É um problema difícil de tratar, pois o ressentido tem a causa da sua patologia em si mesmo, nas escolhas que fez e no talento — ou falta dele — que lhe coube em sorte. Nunca se culpará a si mesmo pelo seu falhanço, mas encontrará um bode expiatório, uma vítima sacrificial. Uma leitura meditada do primeiro romance de Roth ajuda-nos a compreender o mundo actual melhor do que muitas análises sociológicas ou de ciência política.

Sem comentários:

Enviar um comentário