O sábado de Aleluia chegou envolto numa túnica primaveril. O tempo cansado dos farrapos invernosos despiu-se, atirou os andrajos para o lixo e exibe-se, agora, perante os olhos dos mortais como se fosse um príncipe à procura do trono. Ah que analogia, murmurei para mim mesmo, enquanto, numa pequena venda de bairro que já foi o meu, escolhia morangos, rodeado de gente em busca irrequieta daquilo que lhe falta para o almoço de amanhã. Vivemos em tempo republicano, acudiu-me ao espírito, e não há lugar, nem que seja para esse cruel e volúvel tirano que é o tempo, para pretensões monárquicas. E enquanto estas ideias destrambelhadas me invadiam a mente, lá ia pegando em molhos de grelos, que também eles fazem falta para o almoço de Páscoa. Quando saí, a meditação climática desvaneceu-se. O sol brilhava, ameaçava já um dia de Junho. Entrei para o carro e vim para casa. A cidade ardia lentamente perdida num sonho, esquecida de si, como se nem a Primavera tivesse já o poder de a revigorar.
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