Descobri num artigo de Vargas Llosa que, apesar de fazer parte do Antigo Testamento e de ser recitado na Páscoa judaica, o Cântico dos Cânticos, com as suas imagens voluptuosas e a sacralização da sensualidade, só podia ser lido pelos judeus depois dos quarenta anos. Enquanto olhava pela janela as águas de Abril não deixava de meditar não sobre a atracção de Salomão pela Sulamita, mas na sapiente interdição que impediria a leviandade de cair sobre os tortuosos rios do desejo. Se naqueles dias só aos quarenta anos se estaria apto para ler o Cântico dos Cânticos, hoje em dia, apesar da sexualização da sociedade e da precocidade das experiências amorosas, nem aos sessenta se estará capaz para ler o texto bíblico. Uma coisa é a mecânica dos corpos alimentada pelo fluxo hormonal, outra é a sabedoria que permite perceber que também no desejo se manifesta qualquer coisa que está para além daquilo que é meramente humano. E ao pensar em tudo isto não deixei de me rir. Não do mundo ou do poema de Salomão, mas de mim mesmo. Quem, neste tempo feito de impulsos e certezas primárias, quer saber daquilo que é mais que humano? O melhor, sinto, é não pensar em nada e deixar Salomão, ele que teve setecentas mulheres e trezentas concubinas, preso nos encantos da Sulamita.
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