sábado, 6 de abril de 2019

Sacralidades

Ontem, numa daquelas hamburguerias da moda na baixa lisboeta, um jovem padre e, presumidamente, a sua mãe jantavam. Denunciava a condição sacerdotal o cabeção, o que não deixou de me espantar e acabou por os fixar na minha memória. Interroguei-me se ele teria comido um hambúrguer de carne, já que era sexta-feira e estamos na Quaresma. Os presumidos mãe e filho estavam muito bem vestidos para jantar num daqueles sítios. Tornei a vê-los quando terminou o concerto, comemorativo do 150.º aniversário do nascimento de Calouste Gulbenkian, na Igreja de S. Roque. Como a generalidade dos espectadores, eu estava de traje casual, como agora se diz, mas senti, perante aquelas duas figuras, que alguma coisa se perdeu na democratização das roupas em certas actividades culturais. O Lamento de Adão, de Arvo Pärt, e o Requiem, de Tigran Mansurian, encontraram em S. Roque um lugar perfeito para a sua audição. Mesmo ao lado do Coro da Gulbenkian, estava o andor do Senhor dos Passos, carregando a cruz e o roxo das vestes, e durante a execução das duas peças muitas vezes se percebeu que a arte tem uma dimensão de sacralidade que não se coaduna com a displicência do vestir. Quando saí para o frio da noite lisboeta, pensei que só o jovem padre e a sua mãe se tinham preparado devidamente para o que iria acontecer.

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