Ainda há pouco a chuva dava às árvores uma aura que o declinar da luz apaga. A noite nunca deixa de se rebelar contra a santidade do dia, penso. Espreito a rua e deixo a tristeza do entardecer fazer o seu caminho para os meus olhos. Um homem atravessa vagaroso a passadeira e entra no bar do outro lado da avenida. Podia ser o Esteves sem metafísica, aquele que entra e sai da Tabacaria, mas não é. Esse já terá morrido há muito, e sem metafísica pode ser outro qualquer. Um casal corre emparelhado, fugindo da água, mas logo se separa para cada um entrar no carro pela porta que lhe cabe. A vida é feita deste modo. Uns entram dentro dos bares, outros correm para dentro de carros, outros saem das tabacarias, quando as há, e o mais importante é que a cada um seja dada uma porta por onde possa entrar e sair. O pior é quando se fecham todas as portas e a metafísica definha à falta de luz. Também a minha metafísica, constato, definhou à falta de luz natural da razão. Resta-me comer chocolates e olhar o crepúsculo neste mundo sem tabacarias, que se apaga no fundo dos meus olhos como a ponta de um cigarro esmagada contra o fundo do cinzeiro.
Muito bom, mesmo muito bom.
ResponderEliminarMas quando o HV falou em chocolates "estragou" a minha deixa.
E agora?
Bem, posso sempre dizer que tenho em mim todos os sonhos do mundo. Mas não seria verdade: já não tenho.
Resta-me procurar a tal porta para sair daqui, de mansinho...
M
AS portas por onde se sai são também aquelas por onde se entra, ou, dito de outra maneira, toda a saída é uma entrada e vice-versa.
EliminarHV