quarta-feira, 3 de abril de 2019

Sinestesias

Ainda hoje vejo aquela voz perturbante, oiço ao passar por um grupo de pessoas e fico encadeado pela sinestesia. Ouvem-se coisas extraordinárias nos sítios mais improváveis. O que faria daquela voz algo visível não deixou de me amofinar durante a curta caminhada pela avenida. Era ainda nisso que pensava quando entrei no café. Se tivesse espírito de coleccionador, coisa de que careço por completo, coleccionaria sinestesias. Ver o cheiro de uma rosa ou saborear o amarelo de um limão, isso sim mereceria ser coligido, arrumado em prateleiras, para depois ser mostrado ao público em grandes exposições, para as quais imagino já catálogos multissensoriais. E enquanto escrevo isto, o computador informa-me que as definições de um programa estão desactualizadas. Respiro fundo, pois também eu estou desactualizado, incapaz de ver vozes ou de ouvir a fragrância que ressoa no corpo daquela mulher ali ao fundo. Um upgrade era o que precisavas, digo-me não sem complacência, enquanto aguardo que o programa se actualize, nesse seu mistério digital de onde foram banidas todas as sinestesias.

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