Domingo de Ramos. O mais espantoso do tempo que me foi dado viver – penso, enquanto olho a cinza nebulosa do céu – foi ver desabar tudo o que, durante muitos séculos, deu sentido à vida dos homens. O dia não está convidativo para este tipo de meditações. Crepúsculos dos deuses são coisas que não faltam, mas eles voltam sempre com a sua luz e as suas trevas. As pessoas passeiam na rua, agarram-se à ideia de que hoje é domingo como quem, num barco à deriva, se segura à bóia que o há-de levar a terra. Há pouco fui ver a minha mãe. Comunicou-me que fora a S. Pedro à missa do meio-dia e que até trouxera um ramo de oliveira. E estas pequenas coisas encheram-me de uma alegria melancólica, o revérbero de um tempo onde ela se limitava a ir sem que isso merecesse a atenção de uma narrativa. Talvez não seja Deus que tenha declinado, mas eu, com as mil fantasias a que chamo realidade, esteja cego e preso ao meu inexorável anoitecer. Lá fora, a tarde está quente, apesar do céu sombrio que poderia ser o prelúdio de uma tempestade que a tudo lavasse.
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